Meus dias na Itália
Estávamos na Itália e, por isso, não teria como dedicar essa newsletter a nenhum outro tema senão: comida italiana. Pensei em dividir algumas das minhas refeições favoritas por lá. Vamos nessa?
Tema do mês: comida italiana
Pousamos em Milão às 19h30, e até chegarmos ao hotel, fazermos o check-in e deixarmos as malas, já eram quase 21h — e nós estávamos exaustos depois de 16 horas de viagem. Em 2015, fizemos uma viagem para Oslo e lembro que pousamos por volta das 20h. Até chegar no Airbnb já eram quase 21h, não conseguimos achar a chave e vivemos alguns minutos de extrema aflição trancados para fora, no frio. Era domingo, e não havia absolutamente nada aberto. Quando eu digo nada, é nada mesmo — nem supermercado, nem restaurante. Depois de algumas voltas, achamos um bar, muito esquisito, diga-se de passagem, com três pessoas bebendo e mais nada. Perguntamos se serviam comida, o cara ficou até assustado, mas depois de uns instantes voltou com a informação de que tinham tacos. Pedimos. Antonio comeu, eu preferi ficar de jejum, pra vocês terem ideia.
Depois disso, combinamos que, sempre que fôssemos chegar "tarde" em uma cidade — mesmo que grande — o ideal seria dormir a primeira noite em um hotel. Aproveitar a recepção, o café da manhã do dia seguinte e, depois, com calma e descansados, ir para um apartamento, se fosse o caso.
L’Isola del Tesoro
Pedimos uma recomendação de restaurante na recepção, e o primeiro que o atendente sugeriu ficava perto do Duomo, uns 15 minutos a pé. Fizemos uma cara meio desapontada, e ele entendeu que queríamos algo muito próximo. Nem hesitou antes de sugerir o L’Isola del Tesoro, que ficava a menos de 3 minutos andando do hotel.
Fomos com expectativas baixas — afinal, tínhamos pedido a opção “mais rápida” e não “a melhor”. Chegamos lá e, para nossa surpresa, o restaurante estava lotado. Ele é grande, com dois ambientes separados. As paredes estavam cobertas de bolas de futebol e camisas de time, mais um detalhe que contribuiu para minha baixa expectativa quanto à comida.
Assim que entramos, o garçom perguntou se tínhamos reserva. Apesar da resposta negativa, conseguiram uma mesinha no canto pra gente. O restaurante estava realmente cheio. Tinha de tudo: mesas enormes com dez pessoas jantando em família, grupos de 2, 4, 6, e até um padre jantando.
O cardápio tinha mil páginas, e, pra ser sincera, estava mais fácil entender o cardápio em italiano do que a tradução para o inglês. Ficamos um tempo hipnotizados pelo cansaço e pelo cardápio, mas toda vez que eu olhava pro garçom, ele vinha. Juro que achei isso surreal. O restaurante estava muito cheio, com mesas grandes pedindo vários pratos, e ele não parava de subir e descer escada, levar prato, trazer bebida. Parecia uma dança — e, ainda assim, ele 100% atento a tudo.
Finalmente decidimos — e, talvez pelo cansaço — escolhemos clássicos: carpaccio de manzo e spaghetti frutti di mare, para dividir.


O carpaccio chegou primeiro, e, ao lado, um prato de sobremesa com um amontoado de fatias de pizza. Algumas brancas, outras com molho de tomate e azeite. O carpaccio vinha com lascas grossas de parmesão e uma montanha de rúcula por cima. Veio com azeite, sal e pimenta para temperarmos na mesa. Que delícia! Provavelmente pela qualidade e frescor dos ingredientes, fiquei instantaneamente impactada. Depois veio a ideia de usar o amontoado de pizza como base para o carpaccio, e nasceu o casamento perfeito. As “torradinhas de pizza” — se é que podemos chamá-las assim — ganharam meu coração: primeiro porque estavam deliciosas, segundo porque adoro uma surpresa culinária inesperada, e terceiro porque um “extra” gratuito e gostoso é sempre bem-vindo.
Depois do carpaccio, o mesmo garçom se aproximou com um grande prato oval coberto com uma massa de pizza assada. Confesso que não entendi nada, mas sorri. Acompanhei ele e o prato com o olhar, assim como outras pessoas — era difícil entender. Se eu não tivesse visto, não teria acreditado. Sorte que o Antonio lembrou de filmar. Uma senhora e um jovem italiano estavam absolutamente abismados com nosso prato, praticamente devorando com os olhos.
Ele levou o prato até uma mesa próxima e começou a cortar a massa da pizza, enrolá-la e servir metade em cada prato. Por baixo, subiu um vapor. Depois usou um garfo para enrolar o spaghetti e uma colher para regar com o molho e os frutos do mar. A essa altura, eu já estava salivando. Eles tinham feito o spaghetti com frutos do mar, servido num prato, coberto com massa de pizza e assado? Me parece muito que sim. Eu estava louca para provar.
Não sei se foi o cansaço, a expectativa baixa, a atenção do garçom — ou tudo isso junto —, mas a verdade é que era uma comida absurdamente bem-feita e deliciosa. Jantamos como reis e voltamos felizes para dormir.
Ilde
Não via a Elena há quase 6 anos, e mesmo depois de tanto tempo, é como se não tivesse passado um segundo. Trabalhamos juntas na Hart Bageri, em Copenhagen, e lá nos tornamos muito mais do que colegas. Conhecer o Ilde — restaurante que leva o nome da avó dela, e que um dia foi a cozinha da própria — foi uma experiência linda e emocionante. Me senti em casa. Nem vi o cardápio, só falei: confio em você.
Ela e o marido comandam o restaurante com maestria, usando produtos locais, cheios de história, e transformando tudo em pratos deliciosos. O restaurante fica em Lodi, a 30 minutos da estação central de Milão. Tudo é feito na casa, e tudo é delicioso.
Abrimos o almoço com focaccia, torradinhas caseiras e manteiga da casa. Depois veio um prato de alho-poró cozido lentamente até ficar macio, com molho hollandaise, amêndoas em lascas e salsinha. Que espetáculo. O prato seguinte era um mil-folhas de batata, com creme de batata, finalizado com um óleo picante de alho. Mamma mia! Depois veio língua em fatias finas, com mini cebolas e salsa verde — que devoramos. E, para finalizar, cérebro de vitela à milanesa com creme de mostarda. Já tinha comido cérebro antes, mas confesso que não é dos meus preparos favoritos. Ainda assim, valeu.




De sobremesa, chegou um profiteroles do tamanho do prato, recheado com chantilly e creme anglaise, coberto com uma calda quente de chocolate. Não preciso nem falar nada, né?
Elena e Diego fecharam o restaurante depois do almoço e sentaram com a gente. Agora era a vez deles almoçarem. Conversamos como se não tivesse passado um segundo desde a última vez. Saí de lá com o coração cheio. A comida estava estupenda, mas a experiência como um todo... não tem preço. Comer no restaurante de uma amiga da vida e se sentir em casa — that’s amore!
Osteria dal Verme
O nome imediatamente causa estranhamento. Pesquisei para ver se, por acaso, tinha outro significado em italiano. Parece que não. Vai entender...
Em 2022, fiz uma conexão de algumas horas em Milão. O Antonio tinha vindo para a Semana de Design e eu aproveitei para passar uns dias a mais com meus pais em Lisboa. Encontrei ele em Milão para seguirmos viagem. Eu tinha umas 16 horas na cidade e, confesso, vim sem planos — ou seja, sem minha habitual pesquisa extensa sobre onde comer.
Cheguei tarde e fui deixar a mala no Airbnb. Como não tínhamos planos, decidimos comer algo por perto. Estávamos hospedados em Isola, e havia vários restaurantes por lá. A irmã do Antonio, que mora na Alemanha, também estava com ele.
Eu queria comer uma bela massa, o Antonio queria pizza e a irmã dele, vegetariana, queria uma opção sem carne. Resultado: ficamos uma hora rodando o quarteirão — sem exagero. Cada restaurante que um sugeria, outro rebatia. A fome aumentava e o humor piorava.
Finalmente decidimos sentar na Osteria dal Verme. Minha cunhada olhou o cardápio e comentou: "só tem carne praticamente." Levantamos. A essa altura, as emoções já estavam exaltadas, e o Antonio disse: “o próximo restaurante que você escolher, eu vou sentar e não vou levantar mais.” Minha cunhada escolheu o da esquina e sentamos.
Quando chegou o cardápio, vimos que era um restaurante só de carne. Já estávamos vencidos pelo cansaço. O Antonio e a Carol pediram uma burrata com pão. Eu pedi almôndegas, achando que viriam com algum tipo de molho ou massa. Engano meu. Eram almôndegas fritas. Só isso. Comemos muito mal, mas pelo menos virou história.
Na nossa última noite em Milão, nessa viagem mais recente, estávamos exaustos depois de um dia intenso e decidimos comer algo perto. Lembrei da Osteria dal Verme. Entramos, sentamos e ficamos. Tinha umas três mesas ocupadas, mas quando entramos, o que parecia ser o dono perguntou se tínhamos reserva. Dissemos que não, e ele falou que ia ver se havia lugar. Voltou pouco depois dizendo que tinha uma mesinha sim. Achamos que era charme, mas uma hora depois o restaurante estava completamente cheio.
Como era nossa última noite em Milão, decidimos comer como italianos — ou quase. Dividimos um primi, porque dois já seria exagero, e depois pedimos um secondi para cada.
O pappardelle com ragu de veado chegou pouco depois e, à primeira vista, parecia sem graça — até que provei e veio uma explosão de sabores. Raspei o prato com o pão que acompanhava a massa.


Depois veio meu prato principal: ossobuco, típico de Milão. Mas, em vez do clássico risoto alla milanese (feito com açafrão), pedi com polenta — uma das minhas comidas favoritas. O ossobuco estava desmanchando, e veio com uma pequena colher para tirar o tutano do osso. Uau. O Antonio pediu uma carne ensopada do Piemonte, que também estava deliciosa, mas eu estava muito feliz com a minha escolha.
Finalizamos a noite com tiramisù. A comida estava incrível, o ambiente era aconchegante e intimista, mas o que mais me impressionou foi a família.
Depois de alguns minutos sentados, deu para perceber que os dois senhores grisalhos que nos receberam eram irmãos — pelo menos parecia. Além deles, havia um jovem que aparentava ter no máximo 19 anos, também ajudando a servir. E, por último — mas definitivamente não menos importante —, um menino que não devia ter mais de 14 anos, na cozinha.
A porta da cozinha era automática, então sempre que alguém entrava para dar um pedido ou pegar um prato, dava para ver o jovem misturando panelas e finalizando massas com água do cozimento. Fiquei emocionada. Tão jovem, e aparentemente muito feliz ali, cozinhando.
No final da refeição, entrou uma menina saltitante, que devia ter uns 10 anos, deu um beijinho em um dos grisalhos e disse: "até em casa". O Antonio, que estava virado para a porta, disse que parecia ser mãe e filha que vieram dar um beijo no marido e pai no meio do expediente.
Isso é o que eu chamo de trabalhar em família. Isso é o que penso quando penso em trabalhar com amor. Trabalhar com algo em que acreditamos. Trabalhar feliz. Que privilégio o deles, que privilégio o meu.
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Amei a newsletter de hoje, nesse formato diferente! Me transportou para a Itália, junto com vocês!!! Boa viagem! :)
Um misto de fome e saudade me foi proporcionado. Sensações reais que sempre emanam de textos sinceros e bem escritos como o seu. Obrigada